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Carlos Ayrton Sodré, diretor e professor do curso de Libras do SINPRO ABC, fala à Revista O Professor sobre as dificuldades de aprendizado de um deficiente auditivo e relata sua experiência como docente.
“Vou falar sobre a comunidade surda. Dirijo-me a eles com muito conforto porque estão aqui do meu lado”, inicia Carlos Ayrton Sodré, diretor do Sindicato dos Professores do ABC e professor do curso de Libras, realizado há dois anos pela entidade. Sodré fala com propriedade do assunto “ensinar e aprender na deficiência auditiva” pois é educador e desde os dois anos de idade convive com a perda da audição. Nessa conversa, o professor fala sobre incluir, ensinar e superar as dificuldades.

Conte-nos um pouco sobre o histórico de sua deficiência auditiva. Ela foi desenvolvida na infância, congênita ou acidental?
Aos dois anos de idade contraí pneumonia, febre, gripe e muitas tosses. Tomei uma dose forte de antibióticos e me afetou a audição. Perdi 83% da audição de ambos os ouvidos, mas tinha esperança de recuperá-la.
Fiz tratamento com fonoaudiólogos para trabalhar a fala por meio da leitura labial, dos dois aos oito anos de idade.
Como foi sua infância, no convívio com a família e na escola?
Fui pouco estimulado. Quando perdia alguma piada, me passavam para trás. À minha irmã mais velha era dada maior atenção, pois achavam que eu não precisava de muita ajuda. Sempre que não entendia alguma coisa, me diziam “espere, depois contamos”, mas esqueciam.
Aos sete anos entrei no ensino fundamental regular, mas não estava preparado para acompanhar as aulas por meio de leitura labial. A adaptação foi péssima e tive muitos obstáculos para compreender matérias e socializar com amigos. Repeti a primeira série três vezes. Tive o apoio de uma professora, que teve paciência e me incentivou.
Aos nove anos, coloquei meu primeiro aparelho auditivo e, dali para frente, não repeti mais. No começo fiquei envergonhado, já que os olhares para mim, mesmo sendo curiosidade dos outros, me soavam como início de um preconceito que iria enfrentar. Fui apoiado pelos professores e, devido a uma série de provocações e discriminações, fui briguento.
Conclui o ensino médio e fiz vestibular para Medicina e Educação Física. Consegui a licenciatura em Educação Física e, logo no primeiro ano da faculdade, já estagiava na área. Me especializei, trabalhei como técnico de vôlei e fui campeão em times como São Paulo, Palmeiras, Clube Paulistano e Aramaçan.
Ingressei como professor na rede Sesi/Senai, há 24, onde leciono até hoje, e, há 18 anos, atuo na Escola Especial Anne Sullivan, em São Caetano. Quando entrei na sala e vi muitos alunos usando aparelho auditivo fiquei muito emocionado, chorei de emoção e percebi que eu não era o único a ter problema com a surdez. Comecei a conhecer outros surdos aos 40 anos. Sempre usei os cabelos longos, para esconder o aparelho.
A partir daí, cortei os cabelos, fiquei mais livre e aberto com os dois mundos, depois de 30 anos escondendo a minha imagem de surdo, por vergonha.
Hoje me sinto realizado profissionalmente e pessoalmente. Sou professor de Educação Física, de Libras – área em que me preparo para o mestrado -, tenho Pós-Graduação em Educação Especial e, como educador, sinto uma enorme satisfação em saber que há pessoas que colaboram de forma significativa para a melhora do nosso desempenho em comunicação.
Como o professor avalia a acessibilidade nas escolas?
À escola cabe o dever de contribuir na qualificação dos profissionais e dar acessibilidade aos alunos não somente no que diz respeito à educação, mas, também, à inserção social e cultural.
As instituições de ensino ainda estão trabalhando para que a inclusão escolar seja ampliada. A inclusão educacional ainda gera discussões, já que, nem sempre, há recursos e preparação da escola para receber os estudantes com necessidades especiais. Não basta ter o espírito inclusivo, é preciso que o professor esteja preparado para receber os deficientes. Existem exercícios e atividades que incluem as crianças, mesmo em escolas onde haja outros alunos sem deficiências. Acredito que a inclusão escolar acontece aos poucos. Por isso, a falta de estrutura das escolas e de preparação dos profissionais não pode servir de barreira para deixar o processo ainda mais longo. Tudo que se faz pela educação inclusiva é pouco pela dimensão do Brasil, mas as ações estão aumentando. O importante é que o deficiente frequente a escola.
Qual o principal erro da família, da escola e do professor quando o assunto é inclusão? Qual função de cada uma das partes no processo de inclusão?
A família não pode deixar de dar atenção ao filho. As dificuldades financeiras, por exemplo, não podem ser barreira. Ensinar um surdo a falar é trabalhoso e a família precisa ter paciência e dedicação para isso.
Na escola, as principais falhas são falta de infraestrutura, falta de preparo e capacitação profissional e a discriminação social. As equipes pedagógicas devem trabalhar para que a inclusão seja ampliada. Os professores devem ter todas as informações sobre o aluno com distúrbio ou deficiência. É preciso trabalhar o que é bom e o que é ruim no deficiente para que ele tenha um equilíbrio de suas atividades.
Hoje não acredito que haja resultado eficaz na escola inclusiva, pois essa instituição somente será inclusiva quando atender às necessidades de todos os alunos, independente das especificidades de cada um.
Dentro da escola, existem diversas disciplinas que podem ser adaptadas para os alunos especiais. Na informática, o computador possibilita a realização de diversos trabalhos e disponibiliza diversos recursos que contribuem no aprendizado. Em educação artística, as atividades podem servir como arte-terapia, utiliza a simbologia e a cromoterapia como base dos trabalhos de manifestação da criatividade, estimula o psico-cognitivo e equilibra o emocional. A música contribui com a sensibilização e criação, favorecendo fatores psicológicos, físicos e afetivos, além de despertar boas emoções e possibilitar o prazer em tocar instrumentos.
Na área esportiva, a educação física possibilita benefícios à saúde, seja por meio de jogos ou danças. Mas é preciso estar atento para a adaptação da atividade para cada tipo de deficiência.
Veja a entrevista completa em:
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