Ana

Muito além da beleza e da criatividade da cultura africana em nosso país, que se expressa na música, na arte, na culinária, na religiosidade, a história da escravidão e da violência contra os negros ainda não foi banida definitivamente da história do Brasil. Para falar sobre isso, o aluno Patrick Belém Dias Duque, da turma 1904, escolheu a música “Haiti”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil:

“Ela fala sobre as covardias às quais os negros são submetidos, fala de como os negros são tratados em uma prisão, fala sobre a chacina no Carandiru, fala que a maioria dos pobres são negros, que suas condições de vida são precárias e que são esquecidos pelo governo” (Patrick, 1904)

Quase 20 anos depois de ter sido escrita, essa música nunca foi tão atual.

Confira!


Haiti

Caetano Veloso/Gilberto Gil (1993)

Quando você for convidado pra subir no adro


Da fundação casa de Jorge Amado


Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos


Dando porrada na nuca de malandros pretos


De ladrões mulatos e outros quase brancos


Tratados como pretos


Só pra mostrar aos outros quase pretos


(E são quase todos pretos)


E aos quase brancos pobres como pretos


Como é que pretos, pobres e mulatos

E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados


E não importa se os olhos do mundo inteiro

Possam estar por um momento voltados para o largo


Onde os escravos eram castigados


E hoje um batuque um batuque


Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária


Em dia de parada


E a grandeza épica de um povo em formação


Nos atrai, nos deslumbra e estimula


Não importa nada:


Nem o traço do sobrado


Nem a lente do fantástico,


Nem o disco de Paul Simon


Ninguém, ninguém é cidadão


Se você for a festa do pelô, e se você não for


Pense no Haiti, reze pelo Haiti


O Haiti é aqui


O Haiti não é aqui


E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado


Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer


Plano de educação que pareça fácil


Que pareça fácil e rápido


E vá representar uma ameaça de democratização


Do ensino do primeiro grau


E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital


E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto


E nenhum no marginal


E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual


Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco


Brilhante de lixo do Leblon


E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo


Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos


Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres


E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos


E quando você for dar uma volta no Caribe


E quando for trepar sem camisinha


E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba


Pense no Haiti, reze pelo Haiti


O Haiti é aqui


O Haitinão é aqui